Tenho apenas um nome: Donatien
Alphonse François.
Não conhece? Esforce-se um pouco
mais. Pelo nome, percebe-se logo que se trata de um francês. Informo-lhe que
foi nascido no século XVIII.
Ainda não?
E se eu lhe disser que ele era
Marquês? De uma localidade chamada Sade?
Se ainda assim você não chegou ao
nome daquele que ainda incendeia meus sonhos, bem, tenho certeza que você
mergulha nas letras erradas. Ou, ainda, não sabe onde deliciar-se ou horrorizar-se
de verdade.
Deveria tentar Juliette, uma de suas obras mais
famosas. Ou ainda, se quiser mergulhar no horror, a obra 120 dias de Sodoma talvez lhe fale mais ao coração.
Ao meu sempre fascinaram os
feitos de Justine e Juliette, as irmãs. A primeira sempre ingênua e a outra a
encarnação da luxúria e do despudor.
Mas o fato é que os contos de
Sade me fizeram penetrar no mundo do sexo selvagem ainda jovem, lendo
escondido.
E pelo fato de ler escondido,
durante muito tempo, julguei-me estranha, fora de lugar. Até que li uma
reportagem em uma revista de circulação nacional, quando adolescente, dizendo
que aquilo que fazia sentido para mim – o fato de que eu havia nascido para
Dominar – fazia sentido para outras pessoas também. E que, assim como as duas
faces de uma mesma moeda, também existiam aqueles que se submeteriam.
Sim, porque para mim, devido ao
fato de que a subserviência sempre me pareceu algo menor, reles, a ideia de que
realmente existisse quem obedecesse, se submetesse por livre e espontânea
vontade parecia pitoresca – até engraçada.
Entretanto, não há como negar:
saber da existência destes aliviou meu coração. Mostrou-me que, um dia, eu
haveria de ter quem obtivesse prazer em servir-me e nomear-me como nasci para
ser nomeada: Mistress.
Ou Senhora. Já disse que lhes
deixo escolher.
E tais acontecimentos
trouxeram-me até aqui. Até aos meus dois pequenos cães. E a vocês.
Foi um caminho longo, claro. Mas
nem por isso menos prazeroso.
Tive muitos relacionamentos
baunilha. Amei muito e fui amada.
Entretanto, para alguém como eu,
há sempre algo que falta em tais relacionamentos. E durante os mesmos, tive que
sufocar, mesmo que um pouco, a Dominadora em mim.
Um pouco, claro – porque, na
verdade, possuo uma teoria: homens gostam de serem dominados. Todos eles. E, se
ainda não se submeteram, é porque não estiveram sob meus olhos, sob minha
influência, sob o meu domínio.
Porque mesmo entre os baunilhas,
era inegável o prazer que obtinham quando, por não poder conter-me,
dominava-lhes durante o sexo extraindo deles e dando-lhes prazeres – no plural
mesmo, porque eram muitos.
Mas, há muito pouco que se pode
fazer contra toda uma cultura que lhes pressiona a serem os “machos alfa” e
mesmo fruindo nossos relacionamentos, e percebendo que havia prazer e razão em
estar sob meu comando, tentavam inverter e perverter nossos papeis e
controlar-me.
Ha! Como se isto fosse possível.
Ainda não nasceu filho de Adão capaz de domar meus instintos.
E, para todos aqueles que creem
na dominância e preponderância masculina há sempre os meus cãezinhos para
mostrar-lhes seu lugar.
E quanto aos Mestres? Dominadores
como Eu?
Oras, exceções são meramente
confirmações das regras.
Porém, é importante que se diga que,
apesar dos meus cãezinhos serem machos, não me restrinjo a dominar machos.
Fêmeas também me aprazem. Lembro-me bem de um estudo antropológico que discutia
uma hipótese: os seres são bissexuais e a sociedade os faz heterossexuais –
citava, em especial, o exemplo dos bonobos, macaquinhos muito safadinhos que
resolvem seus conflitos através do sexo.
É engraçado, mas se ainda por
cima há ciência que me justifique, bem, aí as coisas tomam um verdadeiro ar
sublime.
É claro que isto me leva a supor
que, se seres humanos fossem assim, como os bonobos, bastaria uma bela orgia e
os problemas, por exemplo, entre judeus e palestinos estariam resolvidos.
E a internet?
A maior invenção da
contemporaneidade! Não haveria como escrever minhas letras sem mencionar-lhe já
que ela haveria de tornar mais simples a aproximação dos pares, iguais, dos
versos das moedas: Dominadores e submissos, Senhores e escravos.
E foi assim que conheci meus
pequenos cães e assim também comecei a fazê-los meus.
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